domingo, 1 de março de 2015

Cena carioca


Fui levar uma bolsa para consertar em um antigo sapateiro no Posto Seis. O Posto Seis é aquele lugar de encontro entre Copacabana e Ipanema e que tem as características dos dois bairros.
Quando cheguei, tinha um travesti enorme na minha frente para ser atendido. 
O sapateiro é na beira da calçada e o calor era daqueles dias de 40º com sensação térmica de 50º. 
E eu no sol, sem cobertura.
Ele foi atendido e eu ali, pasma, observando aquela figura de gestos tão naturais.
Tirou de dentro da sacola que carregava, dois pares de botas de saltos altíssimos. Uma preta e outra prateada, certamente parte de seus instrumentos de trabalho. 
Lembrei do filme "Uma linda Mulher", de Garry Marshall, onde a personagem de Julia Roberts prende o fecho de sua bota de serviço com um alfinete de fralda.
Ele não. Levou ao sapateiro.
Além de alto, era forte, musculoso e ruivo. Seus cabelos pintados e escovados batiam na altura do ombro. E seu vestido, meio de chita, era grudado ao corpo sem pelo algum.
Eu já estava quase em delírio com aquele sol na minha cabeça quando ele virou-se para trás e estendeu a mão para que eu ficasse ao seu lado na pontinha de sombra do toldo do sapateiro.
Agradeci com um sorriso meio sem graça e obedeci aceitando sua mão.
A voz era grave e decidida. A mão era grossa e áspera.
Rapidamente resolveu tudo sobre o que desejava fazer. Despediu-se do sapateiro combinando voltar em dois dias e jamais olhou novamente para mim.
Chegou a minha vez e o meu desejo era comentar alguma coisa sobre aquela cena com o sapateiro, que nada falou. Fiquei quieta e pedi o meu serviço.
O boteco ao lado ainda olhava e comentava a presença daquele homem e mulher andando tranquilamente pelas ruas da cidade.
Esse é o Rio de Janeiro.
Rio 450 anos.


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